Para quem nunca sentou num banco de escola ou mal aprendeu a ler e a escrever, “viajar” pelo mundo da imaginação, onde somente os livros nos levam, foi uma experiência especial na vida de 30 adolescentes que estão em cumprimento de medidas socioeducativas nas Unidade de Internação Masculina Extensão II (UIME II – 14 a 18 anos) e do Semiaberto. E as emoções vividas por eles foram além do que puderam mostrar as páginas dos mais de 22 mil títulos expostos na VI Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Os jovens também participaram da palestra “Sociedade do século XXI – crise da modernidade e da espiritualidade”, ministrada pelo jornalista, antropólogo, filósofo e teólogo frei Betto.

O passeio começou pela vista aos estandes onde eles foram apresentados a alguns autores conhecidos no Brasil e, também, fora dele. Tiveram a chance de ouvir explicações sobre as ideias de Sócrates e Platão, a história do início do Cristianismo e alguns dos maiores escritores que o nosso país já teve, a exemplo de Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e Cecília Meireles.

Os adolescentes também participaram de algumas intervenções que envolveram brincadeiras, com desenhos e músicas. Mas essa experiência cultural só foi possível em virtude da iniciativa do promotor de Justiça Rogério Paranhos, da 12ª Promotoria de Justiça da Capital, que apura atos infracionais e irregularidades praticadas por entidades de atendimento à infância e à juventude.

“Esses meninos têm que entender que um mundo cheio de possibilidades espera por eles aqui fora. Se tiverem vontade de sair ressocializados e com desejo de reconstruírem suas vidas, nós estaremos aqui fora para ajudá-los. Ler, estudar e buscar uma qualificação são os primeiros passos que devem ser dados quando eles ganharem a liberdade novamente. Foi por isso que os trouxemos aqui, para incentivá-los a enxergar o futuro de uma outra forma”, comentou Paranhos.

A palestra que emocionou os adolescentes

Um dos adolescentes, de 17 anos, ouviu atentamente a palestra do antropólogo frei Betto. Se um colega conversava no meio das explicações do frei dominicano, era prontamente repreendido por ele: “o frei pediu para que deixássemos Deus tocar em nosso coração, para que seguíssemos o seu exemplo de fazer o bem aqui na terra. Isso me fez pensar naquilo que fiz de errado e que me privou da liberdade”, comentou.

“Eu gostei quando ele falou sobre a crise na Educação. Tive uma escola muito deficiente, talvez porque ela seja pública, e quase não aprendi nada lá dentro. Infelizmente, para o pobre, os serviços públicos não são de boa qualidade. É por isso que o mundo do crime se apresenta tão tentador para a gente”, confessou um outro garoto, de 16 anos.

Após concluir a palestra, frei Betto dedicou a atenção especial aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa. Ele saiu da mesa de cerimônia e foi diretamente até o local onde os jovens estavam acomodados. “Também já fui preso. Na época da ditadura militar, passei quatro anos em regime de privação de liberdade e só eu sei o quanto aquilo marcou a minha vida. À época, queria ajudar a tirar do regime de exceção e, estando na cadeia, não iria conseguir por em prática o meu desejo de transformar o mundo num lugar melhor para se viver, com melhor distribuição de renda e menos desigualdade social. Portanto, digo a vocês que, quando saírem da internação, dediquem seu tempo a fazer o bem. Desenvolvam a sua espiritualidade e busquem uma qualificação profissional. Deus quer vê-los numa vida nova e vocês vão conseguir”, disse frei Betto.

“Eu fiquei emocionado com o que ele disse, mesmo sem saber quem era o frei, qual foi a importância dele para a história do Brasil. Ele já foi preso e sabe o que nós estamos passando nesse momento. Foi uma grande experiência ter vindo para cá”, comemorou um jovem de 17 anos.

Passeio aconteceu através de parceria entre o MPE/AL e a Sepaz

Foi a união de forças entre o Ministério Público Estadual de Alagoas e a Secretaria de Estado da Paz (Sepaz/AL), por meio do secretário Carlos Alberto Luna dos Santos, que permitiu a ida dos 30 adolescentes à VI Bienal Internacional do Livro de Alagoas, na tarde desta segunda-feira (28). Também apoiaram a iniciativa o juiz Ney Costa Alcântara de Oliveira e o superintendente de Medidas Socioeducativos, Glauber Luiz de Almeida Melo.

O promotor Rogério Paranhos, além de ter sugerido a participação dos garotos na palestra do frei Betto, também conseguiu a autorização judicial para que os jovens pudessem ir ao evento. Já a Sepaz viabilizou o transporte. “Essa experiência deu certo e isso nos traz muito orgulho. Já decidimos que, na próxima quinta-feira, traremos as meninas em cumprimento de medida socioeducativa e uma outra parte dos garotos”, garantiu Fátima Remígio, gerente da Unidade de Semiliberdade.