Está no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): é função do Ministério Público promover e acompanhar os procedimentos relativos as infrações imputadas aqueles que ainda não atingiram a maioridade. Além disso, entre outras atribuições, a norma também reserva ao representante da instituição, no exercício de suas funções, o livre acesso a todo local onde se encontrem crianças e adolescentes. Em mais uma reportagem, a série Guardião da Cidadania mostrará quem são os promotores de justiça à frente das 11ª, 12ª e 36ª Promotorias de Justiça da Capital, que são as unidades de execução do Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL) criadas para garantir o cumprimento destas normas previstas no ECA.

A promotora de justiça Alexandra Beurlen está à frente da 11ª Promotoria de Justiça da Capital, onde trabalha acompanhando processos em desfavor de adolescentes que tenham cometidos atos infracionais. Além disso, uma das funções da promotoria é atuar em situações onde ficam caracterizadas infrações administrativas, um tipo de procedimento misto no ECA que resulta em pagamento de multa. A sanção pecuniária é estabelecida pelo Poder Judiciário e depositada no fundo municipal da infância. A penalidade é aplicada em situações como fornecimento de bebida alcoólicas a menores, presença de adolescente desacompanhado em shows, boates e bares, descumprimento do dever família, exposição de material impróprio para crianças e hospedar adolescente sem autorização dos pais.

“Esse é função básica dos promotores que atuam nessa área, o que mais ocupa nossa rotina diária. Ou seja, atuamos quando o adolescente, cuja faixa etária compreende a idade entre 12 e 18 anos, comete algum ato contra as normas legais. Nós acompanhamos os processos contra esas pessoas. Baseados nessa rotina, sabemos quem é o adolescente infrator e, na maioria dos casos, ele está fora da escola, vem de uma família com menos recursos financeiros e é usuário de drogas”, detalhou a promotora.

Alexandra Beurlen ressaltou que o perfil das crianças e adolescentes envolvidos em atos infracionais em Maceió impõe uma análise da efetividade das políticas públicas existentes para tal público. “Dados colhidos por oitiva informal, o que está previsto no ECA, mostram que mais de 50% dos homicídios têm o entorpecente como motivação. Além disso, o alto índice de abuso e exploração sexual de crianças está diretamente ligado ao uso de álcool, tabaco e outras drogas. São dados assustadores e, por isso, é preciso fomentar a presença do Ministério Público em ações que objetivem diminuir esses números”, declarou.

Baseado nesse levantamento, a promotora de justiça abriu uma frente de trabalho para desenvolver projetos visando a inclusão social desse público, o combate ao uso de drogas e a evasão escolar. “Os projetos foram formatados com o objetivo de trabalhar junto aos adolescentes a prevenção do ato infracional. Ou seja, precisamos evitar fatores que influenciem e abram caminho para o cometimento dessas infrações”, explicou ela.

Vários projetos em andamento

Um dos projetos é o “Rede Infância Mapa”, que também conta com a coordenação do promotor de justiça Ubirajara Ramos dos Santos e a participação do servidor Thiago Alves da Silva. O produto final do projeto será o mapeamento da rede de atendimento à infância em todo o município de Maceió, após prévia coleta dos dados das instituições que atendem direta e indiretamente as crianças e adolescentes, com informações bem objetivas, tais como nome da instituição, serviço, endereço, telefone e horário de atendimento. A ideia é expor esses dados para todas as instituições que compõem a rede, concretizando uma espécie de interligação entre elas.

Também está em andamento o projeto “Drogas: prevenção é a palavra-chave”, onde Alexandra Beurlen pretende traçar um diagnóstico da participação do Ministério Público nas atividades do Fórum de Prevenção e Combate ao Consumo de Álcool, Tabaco e Outras Drogas. “Com isso, o MP poderá assumir o papel de protagonista nas ações de prevenção e combate ao uso de entorpecentes por criança, adolescentes, gestantes e nutrizes. É necessário fomentar a institucionalização do Ministério Público no Fórum, reconhecer a significância dessa ação e dar visibilidade à intervenção ministerial na prevenção, tratamento e reabilitação da dependência química”, esclareceu a promotora de justiça.

Alexandra Beurlen também coordena, em parceria com a promotora de justiça Dalva Tenório, o projeto “Segurança nas escolas”. A intenção é criar um modelo de unidade de ensino sem violência para professores e alunos, contando com a parceria de vários órgãos públicos estaduais e do município de Maceió. O projeto está em fase de confecção do projeto-piloto, que será implantado na Escola Estadual Dom Otávio Barbosa Aguiar, localizada no Benedito Bentes, e na Escola Municipal Denisson Menezes, na Cidade Universitária.

Essas duas unidades de ensino foram escolhidas por estarem localizadas em bairros onde há índices elevados de violência, colocando estudantes e professores em situação de maior vulnerabilidade social. “Hoje em Alagoas todas escolas, públicas ou privadas, enfrentam problemas com uso de drogas. Nenhuma está livre dessa situação, que precisa ser combatida com ações efetivas. Este projeto é a união de forças das instituições para realizar o enfrentamento de forma preventiva”, explicou.

O Segurança nas Escolas nasceu a partir de um diagnóstico confeccionado durante as atividades da Rede de Atendimento à Criança e ao Adolescente, que apontou para a violência como o principal problema enfrentado pelos educadores “O objetivo é otimizar os serviços que já são oferecidos pelos órgão público, sejam eles estaduais ou municipais. Juntaremos as atuações e concentrar nessas duas escolas, esse será o início. Assim, mostraremos os reflexos dessas ações integradas nos índices de criminalidade e na sensação de insegurança que paira entre alunos e professores. Tenho certeza que teremos ótimos resultados e conseguiremos a diminuição significativa dos índices que temos hoje. É a ideia de que juntos somos mais fortes e eficientes”, afirmou a promotora de Justiça Alexandra Beurlen.

“Todos esses projetos, que andam em paralelo com a rotina de nossa promotoria, estão voltados para diminuir situações que coloquem crianças e adolescentes em condições de vulnerabilidade social. Entendemos que, com a união de forças de alguns órgãos, podemos construir um cenário onde esas pessoas possam ter mais acesso a educação, saúde, segurança, assistência social. Enfim, onde o exercício da cidadania possa estar garantido”, defendeu Alexandra Beurlen.

36ª Promotoria

A 36ª Promotoria possui as mesmas atribuições da 11ª Promotoria de Justiça de Capital, que é a apuração de atos infracionais, infrações administrativas e atuação judicial em irregularidades relacionadas às entidades de atendimento da Capital, com exceção das socioeducativas, com atuação diante da 1ª Vara Criminal da Capital.

Há quatro meses à frente dessa unidade ministerial, a promotora de justiça Cintia Calumby atua em substituição ao promotor de justiça Isaac Sandes Dias, que hoje exerce suas atividades na Corregedoria do MPE/AL. Ela lamenta que muitos adolescentes em conflito com a lei não tenham acesso aos seus direitos básicos. “Isso precisa ser estancado. Projetos como os coordenados pela promotora Alexandra Beurlen estão buscando agregar os diversos órgãos estatais para que eles somem esforços no sentido de dar suporte mínimo aos adolescentes e seus familiares na solução de problemas que prejudicam o seu regular desenvolvimento e são, muitas vezes, determinantes para a prática de atos infracionais. Temos trabalhado para que o Mistério Público esteja alerta para que esses jovens possam exercer seus direitos”, disse ela.

A promotora de justiça ainda ressaltou que tem a sensação de dever cumprido todas as vezes que os adolescentes deixam as unidades de internação e, já aqui fora, buscam alternativas que os deixem longe do crime. “Acho que meu trabalho é realizado e tem sua função completada quando ouço de um adolescente ou jovem adulto que ele retornou à escola, está fazendo um curso profissionalizante ou inserido no mercado de trabalho e deixou de usar substâncias entorpecentes. Isso realmente é gratificante”, garantiu Cintia Calumby.

12ª promotoria

Já a 12ª Promotoria de Justiça da Capital possui atribuição voltada para a execução de medidas socioeducativas e questões relacionadas ao funcionamento e à fiscalização das unidades de socioeducação da capital, sejam elas de internação, de semiliberdade e as entidades de liberdade assistida e de prestação de serviço à comunidade.

“Trabalhamos depois que os processos são finalizados. Em regra, após a sentença e também nas execuções provisórias e nas situações de remissão com suspensão do processo, quando se consegue a remissão mediante aplicação de outra medida socioeducativa”, descreveu o promotor de justiça Vinícius Ferreira Calheiros Alves, que atua na 12ª Promotoria de Justiça há quatro meses em substituição a promotora Marília Cerqueira, que cumpre licença para concluir o mestrado realizado no Núcleo de Direitos Humanos – área de Direitos da Criança e Adolescente, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP).

Vinícius Ferreira revelou que hoje as unidades possuem pouco mais de 600 adolescentes cumprindo algum tipo de medida socioeducativa por cometimento de atos infracionais, só em Maceió. O promotor também lembrou que a rotatividade nas unidades é grande, e por isso, os números são tão variáveis. “Temos uma média de 300 adolescentes internados ou em semiliberdade, e mais 300 jovens em liberdade assistida ou prestando serviços à comunidade. Entretanto, sabemos que há um número superior de processos em andamento. A questão é que esses processos ainda não chegaram na sua execução, onde entra a minha atuação”, explicou o promotor.

O representante do Ministério Público está instalando um procedimento com o objetivo de fomentar a abertura de vagas no mercado de trabalho para quando esses adolescentes ganharem por completo a liberdade. “Há uma questão cultural e até de medo de algumas pessoas em colocar esses jovens para trabalhar em suas empresas. Entretanto, o Ministério Público quer mudar esse quadro e convencer empresários e poder público a darem uma nova oportunidade a esses jovens. Uma das ideias é a prestação de serviço ao Exército. Já entramos em contato com o comandante e estamos nas trativas e ajustes para que isso aconteça”, revelou.

“As unidades socioeducacionais ainda necessitam de ajustes para cumprir o que a lei exige, há muito por fazer. Mas o Ministério Público está atento a isso. Por exemplo, conseguimos depois uma batalha longa que uma escola fosse instalada dentro de um daqueles espaços. Ainda não funciona a contento, mas estamos trabalhando para vire um modelo positivo de ensino. Serão necessárias várias mudanças estruturais, de comportamento e culturais para que os adolescentes possam cumprir suas medidas socioeducativas de maneira que possam voltar para a sociedade e passarem por um processo de transformação social. E é nesse sentindo que estamos trabalhando”, assegurou Vinícius Ferreira.

Texto: João Dionisio, com edição e revisão de Janaína Ribeiro

Fotos: Anderson Macena