Atuar para prevenir e evitar a consequência mais grave, a morte. Mas, também denunciar e pedir que agressores e assassinos de mulheres sejam punidos severamente conforme a lei. O Ministério Público do Estado de Alagoas (MPAL), em júris ocorridos na capital, em outubro de 2021, com sustentações precisas de acusação feitas pelos promotores de Justiça, Vinícius Ferreira Calheiros e Adilza Freitas, no 3º Tribunal do Júri da capital, conseguiu levar à prisão, numa condenação somatória de pena que ultrapassa 50 anos, dois réus acusados de matar suas respectivas companheiras. Todos os crimes ocorreram na parte alta de Maceió.

No primeiro júri, o promotor de Justiça, Marcus Vinícius Batista, defendeu em seu discurso acusatório pena por crime hediondo, por motivo fútil, feminicídio e tentativa de feminicídio, visto que o fato teve duas vítimas: a companheira, fatalmente e uma segunda que sobreviveu porque a arma falhou. Com sua sustentação, o conselho de sentença foi convencido da barbárie e o réu condenado a 34 anos de prisão.

“Esse caso retrata uma realidade muito triste do nosso país, aquela em que o homem, o marido se sente proprietário de sua esposa. Essa cultura, de certa forma está se modificando, mas ainda insiste em permanecer em nosso país, na nossa cultura a crucificação da mulher. É tirar dela a possibilidade de escolher com quem vai se relacionar , o rumo da própria vida. Essa moça, durante muitos anos sofreu nas mãos do próprio marido, vitima constante de agressões, e no dia que decidiu sair de casa, parar com a violência, foi lá e a assassinou. Questionou, ainda, se ela voltaria, recebeu o não e, imediatamente puxou, a arma, a matou e tentou matar sua filha, unilateral, do primeiro casamento”.

.O promotor lembra que a sentença aplicada não serve apenas para a família da vítima sentir a justiça sendo feita, mas para que todos saibam que o Ministério Público sempre estará atento e em busca constante pela condenação de agressores.

“A justa condenação imposta ao agressor, além de puni-lo, também servirá para mostrar a toda sociedade que a impunidade nem sempre vence, que há em nosso País leis e instituições voltadas à proteção da mulher e que o Ministério Público estará sempre de prontidão para proteger e apoiar vítimas de violência doméstica e para punir aqueles que insistam em incidir em crimes dessa natureza”, conclui o promotor Vinícius Calheiros.

O crime aconteceu no bairro Tabuleiro do Martins, no início da manhã do dia 10 de março do mesmo ano. O réu cometeu o feminicídio por não aceitar o fim do relacionamento. A denúncia foi feita pelo promotor de Justiça, José Antônio Malta Marques, em 2017.

O segundo caso trata de um feminicídio ocorrido , também no Tabuleiro do Martins, em 14 de agosto de 2018. A promotora de Justiça, Adilza Freitas, representante do Ministério Público, em sua tese de acusação, defendeu condenação máxima por motivo fútil e feminicídio. Semelhante ao primeiro, o caso tinha histórico de violência doméstica e inúmeras agressões. A promotora Adilza Freitas mostrou a fragilidade da vítima diante da estupidez do autor e, consequentemente, a impossibilidade de defesa. À época, o acusado foi denunciado pelo promotor de Justiça, Leonardo Novaes.

“Infelizmente a vítima não conseguiu se livrar da violência que, segundo familiares e testemunhas, sofria há muito tempo. Os homens começam com a violência psicológica, depois passam para a física e, por último, vem a morte, não podemos subestimar. Nesse caso, o réu disse que mataria e matou de forma cruel batendo a sua cabeça no chão. Ela chegou a ser socorrida e levada ao HGE, mas não resistiu”, relata a promotora de Justiça, Adilza Freitas.

A promotora Adilza Freitas, diante de mais um caso estarrecedor fala sobre a banalidade utilizada como justificativa pelo agressor que continua achando naturala a violência cometida.

“No feminicídio a abordagem na investigação da motivação do crime não deve ser buscada na pessoa da vítima, mas na conduta do seu agressor, evitando assim, a vitimização. Isso é respeito à dignidade das vítimas. Devemos materializar no processo o que o agressor queria da esposa e ela não atendeu. Nesse tipo de resposta que identificamos a motivação do crime. Um dos réus, ao responder a pergunta disse que matou a mulher porque não queria que ela saísse com as amigas. É a demonstração de força e controle na relação”, falou com ênfase a promotora.

Denúncia

O Ministério Público Estadual adverte que as vítimas de violência doméstica devem procurar ajuda e lembra o processo de violência até chegar à fatalidade, onde geralmente as agressões têm início com violência psicológica (ameaças), depois violência física (empurrões, tapas) e finalmente o feminicídio.

Os representantes ministeriais lembram que o Brasil tem avançado no combate ao feminicídio, mas que ainda há muito o que fazer. Afirmam que todos os homens sabem que não podem bater na mulher porque existe a Lei Maria da Penha, mas que até bem pouco tempo matavam sob a alegação da legitima defesa da honra e atribuíam a elas a culpa pela sua própria morte. Porém, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela inconstitucionalidade dessa tese e, em 2015, passou o feminicídio a ser circunstância qualificadora do crime de homicídio.

“O Estado tem obrigação de investigar e processar esse tipo de crime, mas quem julga é o Conselho de Sentença composto de pessoas da sociedade. Ela tem dito não ao feminicídio ao condenar os autores desse tipo de crime tão bárbaro”, conclui a promotora Adilza..