O Ministério Público Estadual de Alagoas (MPE/AL) resolveu reforçar o trabalho de combate à violência doméstica e modificou a atribuição de duas antigas promotorias de Justiça, dando a elas a missão de atuar em crimes cometidos contra a mulher. Ao lado da promotora de Justiça Maria José Alves, passaram a atuar na mesma função as promotoras Adézia Lima de Carvalho e Alba Nívea de Barros.

A decisão de aumentar a quantidade de membros atuando nessa frente de combate à violência doméstica partiu do procurador-geral de Justiça, Alfredo Gaspar de Mendonça Neto. “O Ministério Público do século XXI exige resolutividade e eficiência. Não é mais concebível que na quadra atual do desenvolvimento humano ainda se permita a existência de agressores contra a mulher, que se utilizam do ambiente doméstico para causar dor e sofrimento. E foi pensando nisso, na otimização dos serviços oferecidos pelo Ministério Público, que conversamos com as promotoras Adézia Lima de Carvalho e Alba Nívea de Barros e, após acordado com elas, propus ao Colégio de Procuradores uma redefinição de atribuição de algumas promotorias. Por unanimidade, o Colegiado aprovou a alteração em duas delas, que passarão a atuar nessa área. São duas novas promotorias de Justiça que agora se juntam aquela que já existia, ou seja, tivemos mais de 200% de aumento e a eficiência que buscamos certamente será sentida pela população”, explicou Alfredo Gaspar de Mendonça Neto.

Pela resolução do Colégio de Procuradores nº 02/2017, a 35ª e a 43ª Promotorias de Justiça da Capital, cuja titularidade é das promotoras Adézia Lima de Carvalho e Alba Nívea de Barros Mendes, deixaram de atuar em feitos cíveis e criminais vinculados ao 1º e ao 9º Juizados Especiais da Capital para exercerem suas atribuições no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher, com atuação diante do Juizado que trata do mesmo tema.

As duas promotoras vão começar a atuar na área já dominada pela promotora de Justiça Maria José Alves, da 38ª Promotoria de Justiça da Capital. E nesse segmento, as três vão trabalhar combatendo todos os tipos de violências cometidos contra o gênero feminino: física, sexual, patrimonial, moral e psicológica.

“Essa mudança que trouxe novos membros do Ministério para atuar junto conosco chegou em boa hora. Os números são altos em Alagoas e atualmente tramitam no Juizado da Violência Doméstica da capital 10.409 processos. São procedimentos nas esferas cível e criminal, com medidas protetivas de urgência já decretadas e ações penais em fase de instrução. Inclusive, em agosto próximo, entre os dias 21 a 25, teremos outro mutirão, numa nova etapa do Projeto Justiça com Paz em Casa. Certamente o engajamento de mais duas promotoras será muito importante”, informou a promotora Maria José Alves.

“Além disso, temos cerca de 50 audiências e fazemos entre 30 e 40 atendimentos de mulheres por semana”, acrescentou ela, complementando que a Promotoria de Violência Doméstica integra a Câmara Técnica Estadual do Feminicídio e a Comissão Permanente de Promotores de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Copevid), além de ter atribuição, pelo Cadastro Nacional da Violência Doméstica, de assegurar que todos os casos dessa área ocorridos em Alagoas sejam incluídos nesse sistema.

Mapa da violência

Dados do Mapa da Violência de 2015, divulgados ano passado, mostraram que entre 2003 e 2013, o número de vítimas de homicídio do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762 no Brasil; um aumento de 21% na década. O país tem taxa de 4,8 homicídios por cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo em um ranking com 83 países, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

O Mapa revelou ainda que, em 2014, o Sistema Único de Saúde (SUS) atendeu a 23.630 mulheres vítimas de violência sexual. Dados da Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180 (serviço da Secretaria de Políticas para Mulheres), registrou em 2015 cerca de 10 casos de violência sexual por dia, com um aumento de 165,27% no número de estupros em relação ao levantamento anterior, computando a média de oito estupros por dia, um a cada três horas.

“Esse comportamento faz parte da cultura machista e sexista. E, infelizmente, muitas vezes esses homens não têm conhecimento de ser o sexo forçado, mesmo sendo com a companheira, um estupro. Por isso é preciso acabar com esse pensamento e conscientizá-los sobre o tema. E também com esse objetivo foi criado o (Re)pense, um programa voltado para atuar junto aos agressores para que eles entendam melhor o universo da violência doméstica e familiar, e especialmente, a violência sexual”, explicou a promotora de Justiça.

“Trabalhamos todos os dias com crimes violentos, mas ainda assim, continuamos nos surpreendendo com os casos. Por exemplo, já tivemos que acompanhar uma vítima que foi violentada pelo companheiro enquanto dormia. Por recomendação médica, ela passou a tomar remédio psicotrópico, o que a fez dormir profundamente. O agressor, aproveitando-se dessa situação, fazia sexo quando a moça estava desacordada. A vítima só descobriu porque viu algumas cenas registradas pelo aparelho celular do agressor. Ela rompeu a relação e registrou um boletim de ocorrência. Em outro caso, ainda mais chocante, um padrasto estuprou a enteada que tinha problemas mentais. E o pior, transmitiu o vírus HIV para a vítima”, contou Maria José Alves.

E justamente para atuar nesse contexto o (Re)pense foi criado. Ele tem o objetivo de tentar modificar a mentalidade dos agressores e foi criado após uma colaboração técnica firmada entre a Defensoria Pública Estadual de Alagoas e a Secretaria Estadual de Prevenção à Violência (Seprev). A 38ª Promotoria de Justiça da Capital atuou na elaboração do projeto e trabalha fazendo o encaminhamento de agressores que tem o perfil para participar do programa.

À Seprev, no caso, é a responsável por receber, na Casa de Direitos, localizada no bairro do Jacintinho, os agressores e, com uma equipe multidisciplinar, realiza atendimentos psicossociais e promove dinâmicas com o objetivo de esclarecer e convencê-los a uma mudança de postura. “Pretendemos alcançar uma mudança, uma transformação comportamental, objetivando diminuir e evitar reincidência de todos os tipos de violência, seja ela física, psicológica, sexual ou patrimonial. Ainda hoje o sexo não consentido com a namorada, noiva, especialmente se falando da esposa ou companheira, não é entendido pelo homem como um fato criminoso e isso precisa ser desconstituído no universo masculino”, detalhou Maria José Alves.