Os Ministérios Públicos Estadual e de Contas de Alagoas retiraram os nomes dos procuradores do Estado Samya Suruagy do Amaral e José Cláudio Athaíde Acioli do rol de demandados na ação civil pública por ato de improbidade administrativa ajuizada no início de fevereiro junto à 18ª Vara da Fazenda Pública Estadual. O procedimento aponta responsabilidades de gestores e servidores públicos em irregularidades encontradas no processo de licitação de kits de material escolar, no âmbito da Secretaria de Estado da Educação e do Esporte de Alagoas (SEE/AL), com prejuízo de R$ 27.028.600,00 ao erário.

Segundo a titular da 19ª Promotoria de Justiça da Capital, Maria Cecília Pontes Carnaúba, e o procurador-geral de Contas, Rafael Alcântara, após a propositura da peça inicial, os dois procuradores compareceram espontaneamente à sede do Ministério Público Estadual. Eles demonstraram que não tiveram participação nos atos de improbidades apontados pelos órgãos ministeriais, tendo conseguido comprovar que os seus pareceres emitidos durante a fase interna do processo licitatório foram modificados durante a etapa seguinte, que foi a externa. Esses esclarecimentos e provas foram suficientes para afastar os indícios que levaram as instituições a inclui-los no polo passivo da ação.

Samya Suruagy e José Cláudio Athaíde atuaram na fase interna da licitação em destaque e se manifestaram pela adoção da minuta de instrumento convocatório já confeccionada e aperfeiçoada pelo núcleo da Procuradoria Geral do Estado responsável pela temática de licitações e contratos. Os procuradores dirigiram a recomendação aos gestores da Secretaria de Estado de Educação (SEE/AL) e à Agência de Modernização da Gestão de Processos do Estado de Alagoas (Amgesp) com o objetivo de assegurar a legalidade do certame em preparação e prevenir vícios.

“Cumpre assinalar que o parecer da procuradora Samya Suruagy do Amaral, no qual opinou pela aprovação da fase interna do procedimento licitatório desde que fosse adotada a minuta padrão de edital da PGE/PLIC, foi aprovado pelo subprocurador-geral do Estado, José Cláudo Ataíde Acioli, via despacho SUBPGE/GAB nº 7.253/2012, de 28.11.2012, no qual também ressalvou a necessidade de que os requisitos apontados pela procuradora Samya Suruagy do Amaral fossem obedecidos como condição para a continuidade do termo”, destacam Cecília Carnaúba e Rafael Alcântara.

Responsabilidade

O coordenador da Procuradoria de Licitações, Contratos e Convênios, procurador Ricardo Barros Méro, no despacho PGE-PLIC-CD nº 4.149/2012, ao tratar da fase externa do certame, manifestou-se genericamente sobre os atos então decorridos no pregão eletrônico nº 12.221/2012 e na ata de registro de preços nº 356/2012. Segundo as autoridades ministeriais, ele não teceu qualquer consideração sobre os erros previamente existentes no edital ou sobre os recursos dos licitantes que reclamaram das ilegalidades do processo, bem como sobre o descompasso entre a minuta padrão indicada pelos outros procuradores de Estado que atuaram na fase interna.

“Ao avocar o processo para si, o procurador do Estado Ricardo Barros Méro deixou claro o objetivo de garantir a aprovação da licitação repleta de vícios e evitou que os primeiros procuradores que atuaram no caso tivessem acesso aos autos e identificassem os problemas ocorridos. Evidente sua responsabilidade direta para fazer com que a licitação tivesse continuidade e fosse concluída, ainda que isso tenha implicado o abono de todas as ilegalidades cometidas e o completo desrespeito à minuta de edital recomendada pelos procuradores Samya Suruagy do Amaral e José Cláudio Ataíde Acioli, que havia sido elaborada e aperfeiçoada pela PGE/PIL”, destacam a promotora e o procurador-geral de Contas.

Para eles, o procurador-geral do Estado, Marcelo Teixeira, arrematou os “sucessivos endossos de ilegalidade” por meio do despacho PGE/GAB nº 2894/2012, quando aprovou o parecer do procurador Ricardo Barros Méro, sob o argumento de não existirem “óbices de natureza jurídica a impedir a conclusão do certame, na forma de lei”.

“Por fim, ao agirem para assinatura de um contrato flagrantemente danoso ao erário estadual, eximindo-se do dever de apontar as falhas existentes no processo licitatório e utilizando-se, inclusive, de recursos que implicaram indevidamente colegas de profissão que sabiam serem inocentes, quando o dever funcional lhes exigia postura frontalmente contrária, de agiar de ofício no trato vigilante da coisa pública e na fiscalização dos atos praticados ao longo do processo, os procuradores do Estado Ricardo Barros Méro e Marcelo Teixeira Cavalcante incorreram na violação dos deveres de lealdade às instituições, aos deveres de seu cargo, à ética profissional, à honestidade e à legalidade”, afirmam Maria Cecília Carnaúba e Rafael Alcântara.

O caso

Em atuação conjunta, os Ministérios Públicos Estadual e de Contas, por meio da 19ª Promotoria de Justiça e Procuradoria-Geral de Contas, respectivamente, ajuizaram uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa, com pedido de liminar, em desfavor do ex-governador Teotônio Brandão Vilela e do ex-secretário estadual Adriano Soares Costa. Pesam contra os gestores a acusação de irregularidades na licitação de kits de material escolar, no âmbito da SEE/AL, com prejuízo de R$ 27.028.600,00 ao erário.

A ação civil pública trata do pregão eletrônico de registro de preços nº 10.221/2012, promovido pela Amgesp, que teve como órgão participante a SEE/AL. O resultado da licitação foi a ata de registro de preços nº 356/2012, que permite ao Estado a aquisição de 330.000 kits de material escolar divididos em três módulos licitatórios, num total de R$ 59.762.600,00. Com base na ata, a Secretaria firmou um contrato com a Fergbrás no valor de R$ 27.028.600,00, no dia 31 de dezembro de 2012, em descumprimento a uma decisão judicial vigente à época.

Também são réus na ação os procuradores do Estado Ricardo Barros Méro e Marcelo Teixeira Cavalcante, tal como o servidor público Carlos José Gonçalves Melro e o presidente da Amgesp, Israel Lucas Souza Guerreiro de Jesus. A empresa vencedora do certame, a sociedade empresária Fergbrás Comércio e Serviços Ltda, e um dos seus sócios, Antônio Fernando Mendes da Silva Júnior, encontram-se entre os acusados de dano ao erário estadual.

“Tratam-se de agentes diretamente responsáveis pelas irregularidades que envolvem a compra de material escolar, uns em função do cargo público que exerciam e outros em decorrência da condição de eventuais contratantes com a Administração Pública, razão pela qual devem responder civil e administrativamente por suas condutas ímprobas”, explicam a promotora de Justiça Maria Cecília Carnaúba e o procurador-geral de Contas, Rafael Alcântara.

Irregularidades

Segundo a investigação do Ministério Público, a série de irregularidades presentes teve início ainda no edital do pregão eletrônico de registro de preços nº 10.221/2012, que exigiu dos seus participantes apresentação de amostras dos produtos na fase de lances, mesmo sem definição de data, horário e local para a realização dos exames deles. As candidatas ao objeto da licitação também foram obrigadas a apresentarem declaração de solidariedade do fabricante para cada item dos módulos escolares.

“É oportuno registrar que ao menos cinco licitantes com preços melhores que aqueles ofertados pela empresa Fergbrás, que se sagrou vitoriosa, não puderam apresentar suas amostras e foram desclassificados, o que configura prejuízo ao interesse público na busca da proposta mais vantajosa e tecnicamente mais adequada ao interesse público”, destacam os membros do Ministério Público, que lembrar ainda o fato da exigência de declaração de solidariedade do fabricante não encontrar amparo na legislação, uma vez que a responsabilidade pela entrega dos produtos é exclusiva da empresa contratada.

A empresa Aliança foi a mais prejudicada pelo processo. Ela foi desclassificada do pregão eletrônico de registro de preços nº 10.221/2012 por penalidade imposta pela Agência de Modernização da Gestão de Processos e teve seu recurso de reconsideração não apreciado, após órgão estadual rejeitar, na análise de mérito, a intenção dela de decorrer. Para o Ministério Público, a sanção que excluiu a empresa do certame também é ilegal.

“O fato de a Amgesp não ter efetuado a comunicação de forma devida no processo de punição da empresa Aliança, por si só, contamina toda a legalidade dos procedimentos licitatórios que conectam a ele. A sanção irregular foi a causa da desclassificação da Aliança, embora tivesse ofertado uma proposta de mais de vinte milhões de reais inferior à vencedora, a Fergbrás, cujo lance atingiu quase sessenta milhões de reais. Isso significa dizer que houve aproximadamente 60% de sobrepreço entre a proposta vencedora e aquela que teria sido economicamente mais vantajosa”, destacam a promotora de Justiça e o procurador-geral de Contas.

Eles também questionam a adjudicação pelo menor preço do módulo escolar, e não de cada item do kit destinado ao estudante. Segundo os membros do Ministério Público, a opção de adjudicar por grupo comprometeu a economicidade do certame, provocando um sobrepreço de mais de 85% entre as propostas apresentadas pela empresa vencedora e a Aliança. “Aliás, a análise da ata do pregão mostra que a Fergbrás somente conseguiu vencer um dos 42 itens de grupos licitados”, disseram.

Condenação

O Ministério Público do Estado de Alagoas e o Ministério Público de Contas do Estado de Alagoas pedem liminarmente a concessão de medidas cautelares. Entre elas, estão a proibição dos réus de receberem recursos públicos, quebra de sigilos bancários e fiscais de todos os demandados, bem como a indisponibilidade dos bens deles até o montante que some o valor total do prejuízo ao erário e o da multa civil a ser imposta judicialmente ao final do processo.

Já como pedido principal, o Ministério Público requer a condenação de todos os réus ao ressarcimento do erário estadual no valor de R$ 27.028.600,00, acrescidos de juros, inclusive os moratórios. A penalidade deve ser aplicada proporcionalmente a cada réu, com base no grau de culpabilidade deles. Para os órgãos ministeriais, os demandados também devem ser condenados à perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por, no mínimo, cinco anos, além de multa civil de duas vezes o valor do dano causado.

Em relação à empresa Fergbrás Comércio e Serviços Ltda, o Ministério Público pede que ela seja proibida de contratar com o poder público e receber benefícios ou serviços fiscais creditícios, direta ou indiretamente. Os órgãos ministeriais também requerem a desconsideração da personalidade jurídica da empresa, de modo que a determinação para reparação do dano causado e pagamento de multa civil incidam sobre os bens dos sócios e administradores.

Por fim, o Ministério Público pede a declaração de ilegalidade do Termo de Contrato nº 82/2012, firmado ente a Fergbrás Comércio e Serviços Ltda. e a Secretaria de Estado da Educação e do Esporte. Na ação, os órgãos ministeriais também visam a invalidade do pregão eletrônico e da ata de registro de preço que basearam o contrato em destaque.